quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Das elucidações do mal à criação do mundo


              

                   - Autor do mal, quem sois?
                Ele próprio se horrorizou com esta idéia e quis investigar se, para existir, o mal tinha necessariamente que ter sido criado. Em seguida, examinou a mesma questão numa perspectiva mais abrangente. Concentrou-se nas forças da natureza, atribuindo à matéria uma energia que lhe pareceu apta a explicar tudo, sem que fosse preciso recorrer à criação.
                No tocante ao homem e aos animais, segundo ele estes deviam a existência a um ácido gerador, o qual, ao provocar a fermentação da matéria, imprimia-lhe formas constantes, mais ou menos da maneira como os ácidos cristalizam as bases alcalinas e terrosas sempre no mesmo tipo de poliedros. Ele considerava as substâncias fungosas produzidas pela madeira úmida o elo que liga a cristalização dos fósseis e a reprodução dos vegetais e dos animais, e que indica, se não a identidade de ambas, pelo menos a analogia existente entre ambas.
                Hervas, como o erudito que era não teve dificuldades em dar embasamento sólido a seu falso sistema por intermédio de provas sofísticas bem apropriadas a desnortear qualquer espírito. Ele achava, por exemplo, que os mulos, que resultavam do cruzamento de duas espécies, podiam ser comparados aos sais com base composta cuja cristalização é confusa. A efervescência de certas terras com os ácidos lhe pareceu bem próxima da fermentação dos vegetais mucosos, e esta lhe pareceu ser um começo de vida que não tinha podido se desenvolver por falta de condições propícias.
                Hervas tinha notado que os cristais, ao se formarem, se amontoavam nas partes mais iluminadas do recipiente, e dificilmente se constituíam no escuro; e como a luz é igualmente favorável à vegetação, ele considerou que o fluido luminoso era um dos elementos que compunham o ácido universal que animava a natureza; aliás, ele tinha acompanhado a luz avermelhar com o tempo os papéis tingidos de azul, e esta era outra das razões que o levavam a tê-lo como um ácido.
                Hervas sabia que nas altas latitudes, perto do pólo, o sangue, por falta de calor suficiente, estava exposto a uma alcalescência que não se podia interromper senão pelo uso interno dos ácidos. Donde concluiu que, já que o calor podia ser, em determinadas circunstâncias, substituído por um ácido, ele próprio devia ser uma espécie de ácido, ou pelo menos um dos elementos do ácido universal. (POTOCKI, Jean. O manuscrito encontrado em Saragoça. p. 259 - 260) 

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