domingo, 17 de junho de 2012

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Acho que um dia a vida me fez cair um tombo tão feio que quebrou todos os meus dentes que é para eu nunca mais sorrir.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

O homem do cérebro de ouro


Eis um conto belíssimo que vale muito a pena ler, acredito que a versão em francês de Perroult deve ser mais encantadora.

Havia uma vez um homem que possuía o cérebro de ouro; sim, senhora, o cérebro todo de ouro. Quando veio ao mundo, sua cabeça era tão pesada, e seu crânio tão desproporcional, que os médicos pensavam que o menino não haveria de sobreviver. Viveu, contudo; e cresceu ao sol, vistoso como uma oliveira; somente a sua grande cabeça arrastava-o sempre, e dava pena vê-lo a bater-se contra todos os móveis, quando caminhava... constantemente caía. Um dia escorregou do alto de uma escada e foi dar de testa em uma sólida coluna de mármore, onde soou o seu crânio como se fora um lingote. Deram-no por morto; ao erguê-lo, porém, não encontraram nele mais que um leve ferimento, com suas ou três gotinhas de ouro, coalhando-se por entre os seus cabelinhos ruivos. Foi dessa forma que seus pais souberam que o menino tinha de ouro o cérebro. O assunto foi mantido em segredo; a pobre criança de nada suspeitou. De vez em quando perguntava por que era-lhe proibido correr com os seus amiguinhos, ruas afora. “Roubariam o meu tesouro”, respondia a sua mãe... Então, o garoto temia, por medo que o roubassem; retornava então aos seus jogos solitários, nada dizendo, cambaleando pesadamente de uma sala a outra...
Somente aos dezoito anos os seus pais revelaram-lhe o dom monstruoso que devia ao destino; e como eles haviam-no criado e alimentado até então pediram, em recompensa, que lhes desse um pouco de ouro. O garoto não pestanejou: no ato – e por meios, não nos reporta a lenda – extraiu do próprio crânio um belo pedaço de ouro maciço, do tamanho aproximado de uma noz, e o depositou orgulhoso entre os joelhos de sua mãe... rapidamente, muito deslumbrado pelas riquezas que trazia na cabeça, louco de desejos, ébrio de poder, deixou a casa paterna e foi-se mundo adentro, derrocando o seu tesouro. A julgar pelo ritmo de vida que levava, como um rei, semeando o ouro sem contar, ter-se-ia pensado ser o seu cérebro inesgotável... no entanto, esgotava-se, e pouco a pouco podiam-se ver seus olhos a se apagar, e sempre mais salientes eram as maçãs de seu rosto. Por fim, um dia, no final de um entre tantos loucos festins, o desgraçado, só, entre restos e aranhas que empalideciam, parou, espantado pela enorme brecha que havia aberto em seu lingote; era hora de parar.
Daí em diante, foi uma nova existência. O homem do cérebro de ouro foi viver retirado, do trabalho de suas mãos, suspeitoso, tímido como um avarento, fugindo das tentações, procurando esquecer as riquezas fatais, que não tencionava tocar... Por desgraça, um amigo havia-o acompanhado até sua solidão, e esse amigo conhecia o seu segredo. Uma noite, o pobre homem acordou sobressaltado por uma terrível, espantosa dor de cabeça. Enquanto, ainda atordoado, tentava entendê-la, viu, entre um e outro raio de lua, o amigo que fugia, escondendo algo sob a capa... Era-lhe tirado ainda um pouco mais de seu cérebro!
Algum tempo após, enamorou-se o homem do cérebro de ouro, e desta vez para se acabar... amava com toda a alma a uma mulherzinha ruiva, que também o queria bem, mas que preferia as pompas, plumas brancas e borlas douradas que escorriam de seus belos calçados. Nas mãos desta linda criatura – metade pássaro, metade boneca -, os pedacinhos de ouro fundiam-se de dar gosto. Tinha todos os caprichos, e ele jamais soube dizer não; até mesmo, para não constrangê-la, ocultou-lhe até o fim o triste segredo de sua fortuna. “Somos então muito ricos?”, dizia ela. E o pobre homem respondia: “Oh, sim, muito!”. E sorria amável ao passarinho azul que inocentemente devorava-lhe o crânio. Às vezes, deve-se dizer, tomava-se de medos, vinha-lhe a inspiração de ser avarento; no entanto, exatamente então, achegava-se-lhe a mulherzinha a balbuciar docemente, entre um e outro afago: “meu caro...” e ele comprava-lhe algo muito caro. Isto prosseguiu durante dois anos; uma bela manhã, porém, a mulherzinha, ser ter um por que, morreu, como um passarinho... O tesouro, entrementes, chegava já a seu fim; com o que ainda restava, o viúvo providenciou à sua querida defunta um grande enterro. Sinos dobrando, carros pesados recobertos de negro, cavalos emplumados, lágrimas de prata, nada lhe pareceu exagerado. Que importância teria para ele, agora, o seu ouro?... Deu dele na Igreja, deu aos pedintes, às vendedoras de sempre-vivas. Deu-o à direita e à esquerda, sem pestanejar... Assim, pois, ao sair do cemitério, não lhe restava quase nada daquele cérebro maravilhoso. Apenas algumas partículas, pegadas à parede do crânio. Viram-no então errante pelas ruas, com as mãos diante de si, pesado e trocando os pés como um bêbado. Pela tarde, hora em que iluminam-se as tendas, deteve-se frente a um amplo toldo de onde brilhava a luz de uma arranjo de telas e adornos. Deteve-se a fitar duas botinhas de belo azul bordado de penas de cisne. “Eu sei de alguém a quem muito agradariam essas botinhas”, disse amável, a sorrir; e esquecido da morte da mulherzinha, foi comprá-los. Do fundo do balcão, a vendedora ouviu um lancinante grito; acudiu a ver mas deteve-se aterrorizada, ao ver um homem em pé, apoiado à vitrine, fitando-a dolorosamente, como paralisado. Tinha numa das mãos duas botinhas azuis com bordados em penas de cisne, e apresentava a outra mão ensangüentada, com algumas raspaduras de ouro nas pontas das unhas.


Esta é, Senhora, a lenda do homem do cérebro de ouro.
Apesar de seu aspecto de conto fantasioso, a lenda é verdadeira de um extremo ao outro... Há no mundo pobres pessoas condenadas a viver de seu cérebro, e pagam com bom ouro fino, com seu miolo e suas substâncias, às mínimas coisas na vida. Para elas é uma dor cotidiana; só que um dia cansam-se de sofrer, ...